Procuradores do Ministério Público de Contas (MPC) do Piauí criaram uma comissão preventiva de monitoramento das atividades nas administrações públicas do Governo do Estado e das 224 prefeituras piauienses. O objetivo é acompanhar e detectar, em tempo real, as tentativas de irregularidades praticadas por gestores, antes que elas se concretizem.
A expectativa que as irregularidades sejam detectadas antes que elas se concretizem e com isso os danos sejam menores
Até agora, o MPC e o Tribunal de Contas do Estado (TCE) vinham atuando apenas na análise das prestações de contas de órgãos públicos. Ações de intervenção, como a determinação para cancelar licitações, por exemplo, eram menos frequentes. Isso fazia com que, quando o TCE multava ou reprovava as contas de um gestor por irregularidade, o dinheiro desviado não tinha como ser devolvido ou o dano causado já causava prejuízos tão grandes que as sanções do TCE não tinham efeito prático significativo.
Com essa comissão, formada por seis assessores do MPC e integrantes do Núcleo de Inteligência do TCE, as irregularidades poderão ser detectadas antes que aconteçam. “A comissão vai ficar acompanhando tudo o que está sendo feito nas prefeituras e nos órgãos do Estado, mesmo antes das prestações de contas serem apreciadas. Isso vai permitir atuarmos antes do dano ao erário público se concretizar”, explica Márcio André Madeira de Vasconcelos, procurador-geral do MPC.
Madeira diz que o acompanhamento já vinha sendo feito, mas de forma isolada pelos órgãos de controle. Agora, com a junção de vários técnicos e o cruzamento de informações, as ações terão mais resultado.
Secretaria de Saúde iria fazer licitação irregular
Uma recente ação de prevenção do MPC e do TCE aconteceu no mês passado, quando auditores detectaram uma licitação que estava prestes acontecer no Hospital Regional Eustáquio Portela, de Valença.
“Nós conseguimos fazer com que a Secretaria de Saúde do Piauí (Sesapi) cancelasse uma licitação. Isso foi importante porque, quando fôssemos analisar as contas, a licitação já teria acontecido e o prejuízo concretizado”, comenta o procurador Madeira.
A irregularidade foi descoberta da seguinte forma: os auditores da Diretoria de Fiscalização da Administração Estadual (DFAE) do TCE estranharam a realização de onze licitações no mesmo dia no hospital de Valença e resolveram ir até o município para acompanhar a abertura das propostas. Ao chegarem ao local, os servidores do TCE não encontram o pregoeiro. Somente depois de algum tempo de espera, apareceu um senhor sem a mínima qualificação para realizar a tarefa. Ao perceberem o fato, os técnicos do TCE determinaram que a Sesapi cancelasse a licitação, o que foi feito.
As licitações envolviam aquisição de combustível, alimentos, oxigênio, equipamentos de informática, material de limpeza e de expediente. Depois da visita dos auditores, a própria diretoria do hospital publicou portaria no Diário Oficial admitindo que o pregoeiro não possuía conhecimento técnico suficiente para conduzir os procedimentos e que, por isso, estava cancelando os pregões.
Por um ano e meio, mudança na lei impediu TCE de bloquear contas de 64 municípios
Apesar do avanço na atuação do MPC e TCE, os órgãos ficaram, durante um ano e meio, impedidos de executar uma de suas ações mais eficazes contra a má atuação de gestores piauienses: o bloqueio das contas do Município. Em setembro de 2013, a Assembleia Legislativa do Piauí aprovou uma emenda à Constituição Estadual dando poderes apenas ao poder judiciário sobre o bloqueio de contas de municípios.
“Essa decisão causou um impacto significativo no TCE, pois embora a lei não afirmasse diretamente que não poderíamos pedir o bloqueio das contas, deixava claro que era uma atribuição do poder judiciário e, por isso, interpretamos que o TCE não poderia fazê-lo”, comenta Madeira.
Durante esse período, 64 municípios deixaram de prestar contas em dia e não foram punidos porque o TCE não poderia bloquear as contas.
“Sabemos que o bloqueio é extremamente eficaz. Quando isso ocorre, o prefeito logo entrega a prestação de contas. Tem um efeito prático e didático muito grande”, comenta o procurador-geral.
A emenda foi derrubada em março deste ano, quando o Tribunal de Justiça do Piauí reconheceu, por unanimidade, a legitimidade do TCE-PI para pedir o bloqueio de contas dos gestores públicos quando houver algum indício de lesão ao Erário.
A ação do bloqueio estava sendo questionada pelo município de Aroazes, que teve as contas bloqueadas. Na sua decisão, o desembargador Erivan Lopes ressaltou que reconhece a constitucionalidade do art.86, IV, da Lei Estadual nº 5.888/2009, que autoriza ao TCE/PI o bloqueio das movimentações das contas bancárias dos sujeitos à sua fiscalização.
E, ainda segundo o desembargador, essa autorização se dá não apenas nos casos de atraso nas prestações de contas dos gestores. “O poder geral de cautela conferido aos Tribunais de Contas lhe autorizam a adotar a medida em outras situações, notadamente quando houver indícios de malversação de verbas públicas, para prevenir lesão ao Erário e garantir a efetividade de suas decisões”, diz o voto do desembargador.
Sem prestar contas há mais de um ano, Fartura do Piauí sofre intervenção
Um dos exemplos dos danos que acontecem quando o TCE não pode atuar é da cidade de Fartura do Piauí, a 580 Km de Teresina. Desde janeiro de 2014 que o prefeito não presta contas dos gastos públicos. Por isso, o TCE julgou procedente a solicitação de medida cautelar apresentada pelo Ministério Público de Contas contra o prefeito Permínio Pereira de Santana (PSB).
O TCE determinou imediata apuração das contas de governo e o encaminhamento ao governador Wellington Dias do pedido de intervenção no município. “Se o TCE tivesse bloqueado as contas no ano passado, o prefeito provavelmente não teria deixado de entregar as contas por tanto tempo”, comenta Madeira.
“O município já está há quatro meses sem movimentar recursos por não ter repasses disponíveis na Câmara Municipal. A situação é grave se levarmos em consideração que provavelmente a Câmara seja o maior movimentador do município, por isso é preciso intervir”, disse o conselheiro substituto Jaylson Campelo, que proferiu a medida cautelar.
O bloqueio de contas, apesar de causar um transtorno, é uma medida extrema, pois não havia outra alternativa. “O TCE-PI pretende que a situação se normalize e que o gestor volte a prestar contas”, explicou Jaylson Campelo. Ainda no final de junho, o TCE bloqueou as contas de 14 municípios por falta de prestação de contas.
MPC atua apresentando ações ao TCE
O Ministério Público de Contas do Piauí, embora seja uma instituição pouco conhecida perante à sociedade, tem papel fundamental na fiscalização de irregularidades na administração pública. O órgão exerce a função de fiscal da lei, tendo ainda a iniciativa de promover ações no âmbito do Tribunal de Contas do Estado para preservar e restaurar a moralidade da gestão, cuidando do respeito às leis e para que os gestores não abusem na aplicação do dinheiro público.
É obrigatória a participação do MPC nos processos de prestação de contas dos agentes públicos, nos atos de admissão de pessoal, de concessões de aposentadoria, reformas e pensões, devendo ainda buscar a recomposição dos recursos públicos desfalcados.
Embora seu surgimento no ordenamento jurídico remonte à própria origem do Controle Externo brasileiro, no Estado do Piauí o órgão ganhou contornos institucionais próprios com a Emenda Constitucional Estadual nº 08, de 15 de dezembro de 1997, sendo instalado em 26 de agosto de 1998, com a posse dos procuradores Plínio Valente Ramos Neto, Raíssa Rezende e Waltânia Alvarenga, aprovados em concurso público de provas e títulos realizado em 1998.
Posteriormente, com base nas alterações promovidas pela Emenda Constitucional Estadual nº 020, de 04 de março de 2004, foram empossados, em 26 de agosto de 2005, os Procuradores Leandro Maciel do Nascimento, Márcio André Madeira de Vasconcelos e José Araújo Pinheiro Júnior, aprovados em concurso público de provas e títulos realizado em 2005.
O MPC é composto por cinco Procuradores, sob a chefia do Procurador-Geral, nomeado pelo Governador do Estado do Piauí para um mandato de dois anos, sendo vedada a recondução, nos termos dos artigos 51 e 52 da Lei Estadual nº 5.888, de 19 de agosto de 2009.
Repórter: Robert Pedrosa / ODIA
Imagem: Elias Fontenele/ ODIA
Matéria original veiculada no Portal e Jornal O Dia
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